Porque a faculdade não forma empreendedores - Parte 2
Na parte 1, falamos sobre a profecia auto-realizadora da necessidade do curso universitário como fator de sucesso na vida profissional. Entretanto, não ficaram muito claros os porquês dessa profecia e nem o tamanho da destruição que essa falsa crença está causando. Posso dar meu testemunho como aluno, estagiário, freelancer e empresário (sim, já fui tudo isso).
Em vários lugares me fazem pelo menos uma dessas três perguntas:
- Porquê você sabe tanto sobre (insira aqui um assunto qualquer)? Como você aprendeu tudo isso?
- Porquê vocês ainda vêem isso na faculdade, ou porquê vocês ainda não estudam isso na faculdade? Ou ainda, porquê estudamos tantas coisas 'inúteis' ao invés de algo que nos ajude no trabalho?
- Porquê você escolheu essa área de estudo (referindo-se à minha especialização)? Respostas padrão incluem: Aqui não tem muito mercado para isso / Você não vai ficar rico fazendo isso / O mercado já está tão saturado...
Primeiramente, com aquela profecia vem a noção do utilitarismo do conhecimento. Ora, se precisamos do curso para trabalhar, o que aprenderei nele deve ser absolutamente imprescindível para que eu seja bom no meu trabalho. Mais uma daquelas terríveis conclusões precipitadas. Temos aí o primeiro choque de realidade que muitos alunos enfrentam já nos primeiros períodos e que faz com que a maioria deles (eu inclusive) pergunte: "Porque tenho que estudar para fazer provas sobre algo que nem sequer utilizarei na minha vida profissional?". A todos os que se fizeram essa pergunta, pasmem! Estávamos certos e errados, ao mesmo tempo.
Sim, isto é possível. Se analisarmos a situação pela ótica do texto anterior, é compreensível que tenhamos que estudar e fazer provas sobre assuntos que poderemos não utilizar na nossa vida profissional, uma vez que o objetivo é a formação de pessoas para fazer ciência pela ciência. Seria no mínimo estranho que um físico quântico, cuja ocupação é a pesquisa, não compreendesse muito bem o Modelo Padrão - nossa melhor teoria sobre do que o universo é feito. Além disso, o conhecimento não é algo descontínuo que possamos colocar em caixas. Experiências em outras áreas da nossa vida definem nossa vida profissional, e quando menos se espera, podemos encontrar soluções fantásticas a partir de conhecimentos que temos em outras áreas. Aprender não ocupa espaço.
Por outro lado, estamos certos. Se acreditarmos que a profecia é verdadeira, logo dispender recursos para aprender e aplicar provas sobre algo "inútil" é inútil. Todo o tempo e esforço gastos para atingir o objetivo foram em vão, pois o sistema em si nos distanciou da meta proposta por ele mesmo: formar profissionais qualificados para o trabalho. Esta é a sensação descrita pela maioria: alunos, estagiários, profissionais recém-formados e pelos próprios empresários.
Agora podemos ver que há algo fundamentalmente errado com a crença no diploma salvador. Estudantes desempregados que não se formam nem cientistas nem profissionais, empresários que não contratam pois não há profissionais qualificados, e empreendedores amedrontados porque não detêm nem conhecimento e nem capacidade de gerência. O ciclo se repete a cada turma que se forma, e a mesma ladainha volta a ser recitada nas salas de cursinho, nos telejornais e nas conversas de bar. Alguns poucos ousam sair da ciranda, com variados graus de sucesso.
Como, então, obter a formação, a qualificação e o conhecimento que realmente procuramos? A quem devemos recorrer? Quem poderá nos salvar?
A resposta está mais próxima de nós do que imaginamos: nós mesmos. Lembro-me de todas as vezes que ouvi alguém dizer que optou pelo curso A ou B para poder ajudar um parente ou o melhor amigo a tocar um negócio. Na maioria das vezes, o empreendedorismo é tratado de forma superficial nestes cursos, ou talvez nem tenha sido mencionado, como no meu caso. Gostaria de perguntar a elas se alguma vez compuseram um balanço, um orçamento, ou mesmo se fizeram reposição das mercadorias nas prateleiras, se chegaram a fazer uma venda direta e lidaram com o cliente cara a cara. Nessas situações, e nelas apenas, percebemos o quanto estamos preparados para conduzir e do que é que carecemos. Nenhuma disciplina irá dizer o que você precisa aprender e do que o seu negócio precisa. Logo, só há um jeito de aprender a empreender: empreendendo.
No texto anterior, mencionei algumas "escolas", algumas formas de se obter o conhecimento. Na minha concepção, a forma com que todo empreendedor mais se identifica é o auto-didatismo. Na parte 3 deste texto, discutiremos mais sobre ele.