O porquê dos 10%

Da série Investimentos e finanças pessoais, gostaria de apresentar um tema que o leitor já deve ter se deparado em qualquer livro de investimentos - ou até mesmo de auto-ajuda. Em qualquer uma dessas obras literárias, vídeos e programas de rádio, parece que há uma unanimidade adamante entre autores, especialistas e "gurus": deve-se economizar 10% de tudo o que se ganha. Muitos vão além da economia compulsória e afirmam que ela deve ser feita antes mesmo de pagar a primeira despesa do mês. O que me intrigou e o que proponho analisar aqui é a cifra dos 10%. Por que esse número se repete? Por que 10%?

Por que a fixação com o número 10? Será que ele tem alguma propriedade mística, ou será que ele representa algum limite inferior que não pode ser ultrapassado? Se sim, porquê?

Da data de escrita desse texto não pude precisar o momento exato da adoção do número 10 a nenhum momento histórico específico, salvo a uma tradição judaica descrita no Pentateuco e que aparenta não ter muita relação com o número em si. Este último fato terei de averiguar e prometo que darei continuação ao tema assim que tiver certeza.

Consideremos então uma outra fonte: "O Homem Mais Rico da Babilônia", de George Samuel Clason. Tido como um dos mais antigos, senão o mais antigo livro com conselhos sobre finanças pessoais, já na primeira parábola podemos encontrar o seguinte trecho:

"Uma parte de tudo o que ganha pertence exclusivamente a você. No mínimo, um décimo, mesmo nas ocasiões em que tiver recebido pouco dinheiro. Pode ser mais, de acordo com o que produzir. Pague a si mesmo primeiro. Não compre ao fazedor de roupas ou ao fazedor de sandálias mais do que possa pagar com o restante, devendo ainda separar o bastante para alimentar-se, ajudar o próximo e pôr em dia as obrigações com os deuses." - George Samuel Clason

No princípio este conselho pode parecer simplista ao extremo, e posso jurar que ao apresentá-lo a certas pessoas, elas certamente ficariam um tanto ofendidas. Entretanto, vejo que muitos novos empreendedores nem sequer sabem de sua existência ou pensaram sobre as implicações de poupar e investir o seu dízimo pessoal. Aproveito para fazer esse convite ao leitor: e se poupássemos religiosamente estes 10% como sugerido no livro? A qual resultado chegaríamos? Qual a diferença se aumentássemos ou diminuíssemos a porcentagem?

O primeiro impacto recebido por todos os que escolhem seguir o conselho é que, uma vez que estamos poupando e investindo 10% da nossa receita, retirando o montante assim que recebido, só teremos disponível para gastar apenas 90% dela. Contrastando com a realidade atual (2017), se a receita equivale a um salário mínimo líquido de R$ 937,00, serão retidos R$ 93,70 e teríamos R$ 843,30, que devem ser suficientes para fazer frente a todas as outras despesas.

Se investirmos nosso dízimo em uma aplicação que renderá juros de 1% ao mês (aprox. 12,68% ao ano), ao final do mês teremos ganhado R$ 0,93 (noventa e três centavos). Pode não parecer muito agora, mas peço que o leitor seja paciente. No próximo mês, faremos uma nova partição da receita e pouparemos outros 93,70 reais. Desta vez, os juros incidirão não apenas sobre os R$ 93,70 que separamos, mas sobre o montante total, ou seja:

(93,70 x 2) + 0,93 = R$ 188,33 188,33 x 0,10 = R$ 1,88 (juros)

No final de um ano, teremos conseguido R$ 63,95 de juros, bem como teremos poupado R$ 1124,40, totalizando R$ 1188,35.

Se, ao invés dos 10%, tivéssemos poupado apenas 5%, chegaríamos ao final do ano com:

Por outro lado, se tivéssemos poupado 20% da receita:

Os juros pagos podem parecer pífios para o leitor neste primeiro momento, e realmente o são. Mesmo assim, uma aplicação financeira em um grande banco de varejo que tenha um rendimento de 1% ao mês é uma ótima aplicação e não se costuma encontrar taxas como essas com facilidade. Ainda assim, no gráfico podemos ver qual o comportamento dessa regra num tempo maior:

Simulação do investimento ao longo do tempo

Através do gráfico pode-se notar que, apesar de muito pequenos no início, os juros recebidos se equiparam à soma de todo o dinheiro poupado por volta do décimo ano de investimento e ultrapassam a linha de poupança, indicando que o dinheiro dos juros "trabalhará por si mesmo" a partir desse ponto, porque possui um ritmo de acumulação maior comparado à da linha de poupança. Além disso, se olharmos apenas para o décimo ano (2027), teremos acumulado o equivalente a 27 salários mínimos, ou R$ 25.476,64.

Quero mostrar com isso a importância de poupar e investir na construção da riqueza, por mais que o valor seja pequeno, e que os autores de livros de finanças pessoais usam os 10% apenas como um parâmetro, um objetivo concreto e palpável para tornar mais fácil a compreensão e a formação do hábito de investir. Uma fórmula simples para um conceito que exige introspecção e análise em algumas gotas destiladas de sabedoria.